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Saudades do que a gente nem viveu: o vício em nostalgia na era digital

Atualizado: 23 de jun.

Por que estamos obcecados pelos anos 80, 90 e 2000, mesmo quem nem era nascido? Especialistas explicam o fenômeno que mistura marketing, memória e carência coletiva.

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Você abre o TikTok e se depara com um vídeo: uma estética granulada, trilha de Avril Lavigne, clipes de celulares flip e fotos em câmeras digitais de 5 megapixels. A legenda: "Queria voltar pra essa época..."O detalhe? Quem postou tem 17 anos e nasceu em 2008.


Essa é a nova onda da nostalgia digital, uma mistura de saudade fabricada com desejo de escape. Não se trata mais apenas de lembrar do passado, mas de recriá-lo ativamente, mesmo sem tê-lo vivido.


O que é nostalgia e por que ela vicia?

Segundo a psicóloga Renata Ribeiro, especialista em comportamento digital, a nostalgia ativa áreas do cérebro associadas à recompensa e conforto. “É um mecanismo psicológico que usamos para lidar com o caos do presente”, diz.


Estudos publicados na Frontiers in Psychology apontam que a nostalgia pode melhorar o humor, fortalecer vínculos sociais e até reduzir o estresse. “É um tipo de anestesia emocional”, explica a pesquisadora.


A estética que voltou dos mortos

  • Moda Y2K: Top baby, calças de cintura baixa, pochetes — os anos 2000 invadiram passarelas e feeds.

  • Tecnologia retro: Câmeras digitais antigas são o novo fetiche dos Gen Zs. A hashtag #digicam tem mais de 700 milhões de views no TikTok.

  • Jogos e consoles antigos: A venda de Game Boys e PlayStations antigos disparou em sites de leilão.


A estética analógica, com seus defeitos, chiados e granulações, virou sinal de autenticidade numa era dominada pelo digital perfeito.


O papel do marketing (e do algoritmo)

Grandes marcas perceberam o apelo emocional da nostalgia e passaram a explorar o sentimento como ferramenta de venda. Produtos "retrô" reaparecem embalados em novas campanhas:

  • A volta da Fanta Uva de 1990 em edição limitada.

  • A Barbie vestida como nos anos 80, relançada após o sucesso do filme.

  • Comerciais inteiros baseados em memes de “saudade da infância”.


Além disso, os algoritmos das redes priorizam conteúdo que gera mais tempo de tela e a nostalgia retém como poucos temas.


Por que jovens têm saudade do que não viveram?

“É uma saudade do que representa estabilidade, simplicidade, vida sem tela, sem sobrecarga de informação”, analisa o sociólogo Luiz Felipe Lourenço.


A pandemia de 2020 intensificou esse sentimento. Em momentos de incerteza, o passado (ou a ideia dele) vira abrigo.


Mesmo para quem nasceu depois de 2005, os anos 90 e 2000 surgem como mitologia: "época boa", onde tudo era mais lento, mais humano, ou pelo menos, assim parece nas redes.


Nostalgia ou escapismo?

Há um debate entre estudiosos: viver tanto no passado pode ser prejudicial? A psicóloga Renata alerta: "Quando a nostalgia vira refúgio constante, ela pode impedir a ação no presente. É preciso equilíbrio."


Por outro lado, muitos a veem como forma de manter viva a memória afetiva e até de resgatar valores perdidos, como tempo offline, convivência e espontaneidade.


No fim das contas, talvez o boom da nostalgia seja menos sobre voltar no tempo e mais sobre encontrar, mesmo que por um segundo, um lugar mental onde tudo parece mais simples.


Como resume uma frase popular na internet: “Queria viver nos anos 2000, com a cabeça que eu tinha em 2010, e os problemas de 1998.”


Informações desta matéria foram embasadas em artigos do The Wall Street Journal, La Cadena SER, The Guardian, estudos em Psychological Science, além de pesquisas da Forbes e debates acadêmicos sobre cultura digital e memória.


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